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DEPRESSÃO, A DOR TEMIDA E MAIS ESPERADA DO SÉCULO

Autor: Pamela Marcondes, Psicóloga Clínica na Casa de Saúde São João de Deus

Na minha infância e adolescência eu costumava ouvir, na conversa dos meus pais e tios, como sua juventude havia sido regada a bailes e músicas boas e como algumas perdas faziam falta. Um ídolo morreu de overdose, o outro morreu em um acidente de carro, dentre outros. Como aquilo marcou uma época! Eu, no momento, pensava com sinceridade que não queria que isso acontecesse com meus ídolos. Queria minha adolescência regada de vida e boas influências, até que chegasse o dia em que, por um acaso do destino, meus ídolos viessem a falecer naturalmente. Eu me acostumei a ouvir os mortos eternizados em suas letras fortes. Soube admirar Cobain e Nirvana, Cazuza e Barão Vermelho, Renato Russo e Legião Urbana, mas soube construir influências novas também.

Ao longo dos últimos 10 anos, nos deparamos com perdas e com uma dor avassaladora que, silenciosamente, foi se tornando, como muitos gostam de chamar, "O mal do século!" E o que a depressão tem a ver com o que escrevi
acima? Simplesmente tudo. Nos últimos anos ela tem sido a causa de grande parte das mortes noticiadas entre músicos e artistas conhecidos no mundo todo.

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a depressão afeta 4,4% da população mundial e 5,8% dos brasileiros, sendo o Brasil o país com maior prevalência de ansiedade no mundo (9,3%). De forma mais clara, cerca de 11,5 milhões de brasileiros sofrem com a doença. Somos o país com maior prevalência de depressão na América Latina e o segundo nas Américas, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, que têm 5,9 de depressivos.

Ao decorrer de nossas vidas, temos a capacidade humana de armazenar experiências físicas e mentais. Neste caminho existencial, partimos algumas vezes do senso comum do que se trata de uma tristeza profunda realmente ou o que pode a ser depressão. Ao decorrer deste processo não vemos a empatia ser trabalhada, o que acaba por se tornar uma das principais barreiras no tratamento e compreensão da comorbidade em si, uma vez que sentimentos comuns ao ser humano se confundem com o diagnóstico real.

Meu objetivo é fazer você, leitor, sentir e exercitar como seria não ter forças para ser você em sua vida. Como é não querer levantar da cama, como é se sentir apenas existindo e não vivendo.

Gostaria de trazer um pouco de dor a quem está lendo estas palavras. Desejo, além da simples leitura de um texto, que exercitemos, ou melhor, despertemos nossa empatia.

Uma vez um paciente me disse, "Olhe o céu, o céu está aberto, o sol está quente, não aconteceu nada de ruim, mas meu coração diz o contrário, não sei explicar e não importa o que eu vejo nem todos veem, mas não importa, mas o que eu sinto, apenas eu sinto. É preciso sentir pra entender.

Agora pense leitor, pare um pouco e reflita se alguma vez sentiu a dor do outro. Quanta vez buscou ser empático com o que o outro passa? Chega a ser dolorido, levando em consideração que agimos de forma impulsiva e camuflada de ação racional, que não nos damos conta que nossas palavra e atitude atingem significativamente a vida do outro.

Trazer para o mundo esta questão não apenas ajuda na compreensão desta doença, como acaba por dar voz a tantos sofrimentos existenciais, que hoje são taxados como “frescura” e “preguiça”.

Depressão é uma ferida que existe, que dói e que não escolhe gênero, raça e religião. Ela se arrasta sobre você silenciosamente. No início você luta contra coisas pequenas, mas normalmente escolhe ignorá-las. É como uma dor de cabeça que você insiste em dizer que é temporária e que vai passar, que é só mais um dia ruim. Mas não é!

Para tudo, ou quase tudo, existe solução, mas e para esta dor? É um sentimento que ninguém consegue entender, quantificar, colocar em palavras, nem mesmo você, mas se sente. Então tentamos guardá-la, camuflá-la, escondê-la, colocar tudo debaixo do tapete. Dói lidar com esta dor, corrói a alma e deixa o corpo incapaz de reagir.

As pessoas diagnosticadas com depressão costumam colocar uma máscara social para continuar a viver em meio às pessoas. É isso que a sociedade está acostumada a esperar do outro.

Viver com depressão não é estar o tempo todo em um quarto escuro, sem comer, sem ver gente, só chorando, e sim é como andar pela vida dentro deste quarto, deixando os demônios às vezes adormecidos, enquanto se sorri ao próximo.

Através dessa reflexão, é de extrema importância pensar em nossas atitudes como pessoas, pensarmos no outro assim como gostaríamos que pensassem em nós, e fossemos sim, responsáveis pelo que, de alguma forma, atingimos no outro, seja com palavras ou gestos, de amor ou não.

Somos responsáveis por vidas e por manter uma qualidade de vida psíquica e física saudável, nossa e do outro. Façamos
então nosso papel, de zelar, cuidar e acolher a dor do outro.

Cabe a nós hoje, um papel paliativo de reconstrução de vida e de trabalhar a morte de uma dor existencial avassaladora. Cabe a nós o papel de cuidadores de um processo de perda existencial, com o objetivo de restaurar a autoconfiança e dignidade psíquica.

DEPOIMENTOS:

“Quando vejo outras pessoas realizando os sonhos que sonhei para mim é como se eu morresse aos poucos, dói, dói muito...” P.B

“Às vezes eu me cortava, queria sangrar, sim, mas nunca muito fundo, não muito forte, não suficiente pra morrer, mas suficiente forte para esquecer a dor que é viver. “ R.S.

“Para esquecer meus sentimentos, machuco meu corpo, na esperança de que a dor me faça esquecê-los.” A.M.

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